quarta-feira, 8 de agosto de 2012

O MITO




Escrevo na qualidade de pai. Não me contaram. Aconceteu comigo. E, pensei inúmeras vezes no meu Amigo António Arnaut, o pai do Serviço Nacional de Saúde (SNS), que ainda há bem pouco tempo acusou o governo de “submeter o SNS à tortura do 'leito de Procusta', sujeitando-o à desumanidade da sua visão neoliberal e mercantil".

Então vejamos. Hospital Distrital de Faro, após uma passagem por um centro de saúde que se considerou inadequado perante os fatos. Uma criança de dois anos e meio com a face aberta na sequência de queda doméstica. Serviço de urgência pediátrica. Após 15 minutos de espera, a triagem. Um médico pediatra espanhol informa que o Pedro deveria ser observado por um cirurgião pediátrico, mas ressalva que apenas existe um no hospital mais importante do Algarve – a região que concentra o maior número de pessoas por km2 nesta época do ano - e que, pasme-se, “está apenas um dia por semana”. Por sorte (ou não como veremos) naquele dia ele estava de serviço. Duas horas e meia depois, o Pedro, com dois anos e meio de idade, continua com a face aberta à espera num serviço de urgências cujas instalações são modernas e excelentes. Têm tudo. Ou melhor, quase tudo: equipamentos, pacientes crianças... só faltam os médicos.

Tamanha espera, permitiu-me pensar nas vezes que defendi com unhas e dentes o nosso SNS: a humanidade, a equidade e o sentido republicano que lhe está subjacente. Mesmo quando a taxa moderadora é de 20 euros, como agora. Vivendo hoje no Brasil, onde os cuidados de saúde públicos são inenarráveis, tenho defendido ainda mais intransigentemente o nosso modelo e o nosso SNS. Porém, perante a espera e o sofrimento na face aberta de um filho com dois anos e meio de idade, confesso que me vi obrigado a abandonar o mito do SNS e a descer à terra. Procurei, como alternativa, por um hospital particular, em Faro. Existe e é ótimo, confesso. Abandonadas as urgências pediátricas do público hospital distrital e entrado no hospital particular, em 15 minutos o Pedro foi observado por uma pediatra também espanhola e suturado por um cirugião pediátrico alemão. Assim nem mais. Custou sete vezes mais que o público, é certo, mas foi dezes vezes mais rápido e eficiente. E, na saúde é isso que interessa celeridade e eficência!

Enfim, no final desta lamentável epopeia lembrei-me de Fernando Pessoa, que definiu o mito como “o nada que é tudo”. Ora, o SNS é, hoje em dia, isso mesmo, nada mais que um mito.

quinta-feira, 2 de agosto de 2012

META LONGÍNQUA


Parece que foi há muito tempo. E foi mesmo! Resta-nos a memória dos Jogos Olímpicos de Los Angeles, Seul e Atlanta. Foi lá que obtivémos os melhores resultados da história olímpica portuguesa: Carlos Lopes, medalha de ouro em 1984. Rosa Mota, medalha de ouro em 1988. Fernanda Ribeiro, medalha de ouro em 1996.

Até hoje, e desde a primeira participação em 1912 (Estocolmo), os atletas portugueses conquistaram um total de 22 medalhas. Número muito pouco expressivo se, sobretudo, comparado com outros países da nossa dimensão: Polónia (261), Países Baixos (246), Grécia (108), Finlândia (299), Dinamarca (170) e Suécia (475), por exemplo. Mas, quando comparados com as potências desportivas mundiais, os resultados são risíveis – para não dizer mais: EUA (2297), Grã Bretanha (715), França (636) e a extinta União Soviética (1010).

Este ano, em Londres, e apesar de ainda não terem terminado, os Jogos Olímpicos indiciam, uma vez mais, resultados pouco auspiciosos para os portugueses. A novela da atleta desaparecida, porque supostamente grávida, é apenas mais um exemplo da forma pouco profissional como este certame é encarado em Portugal.

Os vencedores, sejam eles quais forem mas sobretudo os olímpicos, constróiem-se com planos de longo prazo e com fortes políticas públicas desportivas. E, se não sabemos fazer, copiemos (não é pecado!) os programas dos países campeões mundiais de medalhas.

E em Portugal o que se passa? Os dirigentes nas Federações e no Comité Olímpico perpetuam-se independentemente dos maus resultados obtidos, morrendo sempre solteira a (ir)responsabilidade. Os governos sucedem-se na perspetiva facilitista de meros distribuidores de subsídios ao invés de estrategas globais e definidores dos indicadores públicos de sucesso desportivo.

Em Portugal, não há cultura desportiva, porque na escola primária o desporto não é estimulado; porque as famílias preferem ter os filhos dentro de casa a ver televisão ou jogar computador; porque há décadas acabou o desporto escolar e o desporto universitário é uma ficção.

Enfim, passam-se os anos e fica tudo na mesma. A cada quatro anos armamo-nos em adeptos de sofá - de pantufas e cervejinha na mão - na esperança que o fado nos traga aquela medalhita que garantirá uns diretos televisivos no aeroporto da Portela e o orgulho pátrio desta “nação valente e imortal”.


terça-feira, 31 de julho de 2012

CRISE?..



Qual crise?.. Portugal – ou pelo menos uma parte dele – continua a viver na abundância... Assim parece.

Figueira da Foz. A vetusta “Praia da Claridade” não se poderá queixar apenas do vento, das baixas temperaturas para a época e da falta de dinheiro. Deve, desde logo, queixar-se de si própria e da inabilidade dos seus para fazer dela um sério e verdadeiro referencial turístico. E tanto que precisa!

Chegado de um país (Brasil) onde a escassez de muita coisa sempre foi genialmente superada pela simpatia e pela disponibilidade inata para servir, constrange-me ver um dado Portugal a comportar-se com a mesma arrogância e desinteligência de sempre. 

Sinceramente não compreendo para que serviram rios de dinheiro empatados ao longo destes anos em empresas municipais de turismo, em ações de promoção em feiras internacionais e semanas de gastronomia local, nem para onde foram milhões (supostamente) aplicados em formação e capacitação profissional na restauração e hotelaria locais.

Afinal de contas, esta semana, testemunhei diversos restaurantes, na Figueira da Foz, onde deixam de servir às dez da noite (!!), outros que apenas vendem a “rainha sardinha” aos sábados e domingos ao almoço e, regra geral, uma falta de profissionalismo e simpatia atrozes. Mais parece um sacrifício ter de atender e servir os cada vez menos clientes deste canto à beira-mar plantado. Coisa chata esta da época alta!

Por isso mesmo aquilo que poderia parecer uma provocação - o título do presente artigo – não o é. Na verdade, o que se espera de um país que está a viver dos mais difíceis momentos da sua história económica e social é que aumente a produtividade, a eficiência e o profissionalismo como caminhos únicos para a recuperação.

Todavia aquilo que, infelizmente, testemunhei, nos últimos dias, foi a ausência de brio e de empenho de empresários e colaboradores num setor estratégico para a região e país.

Quem dera fosse mentira, mas a crise existe mesmo! E a leviandade também!..

sexta-feira, 20 de julho de 2012

QUERIDAS HEROÍNAS




Marissa Mayer tornou-se esta semana uma celebridade rara. Afinal de contas, é mulher, tem menos de 40 anos, assumiu a liderança da empresa de tecnologia Yahoo - ao que parece a primeira CEO mulher entre as 500 empresas de TI da Fortune - e, pasme-se, anunciou no primeiro dia da nova função que estava grávida!! Uma heroína, pois, dos tempos modernos.

Parece incrível que no ano da graça de 2012 consideremos como inusitados estes fatos relativos a uma mulher internacionalmente bem sucedida. Mais do que isso, é grave! Significa que há ainda um longo caminho a percorrer nas políticas públicas para o reconhecimento do papel social e económico da mulher, dentro das próprias empresas e na mentalidade coletiva.

É neste contexto que o FMI anunciou, esta semana também, um estudo que advoga a substituição do clássico abono de família - de duvidosa eficácia dos quase 30 euros/mês por filho - por incentivos às mães trabalhadoras como forma de gerar empregos no feminino, sobretudo nos países do sul da europa. Ora, tal medida no caso português é absolutamente inócua, porquanto Portugal já tem das maiores taxas de mulheres-mães-trabalhadoras da europa. Setenta por cento da população feminina portuguesa trabalha.

Recuperemos então o caso de Melissa Mayer, cujas exigências profissionais  e de dedicação de tempo à profissão são invulgarmente elevadas, para deixar algumas considerações. O sucesso dela depende do suporte familiar que com absoluta certeza terá, seja por um séquito de empregadas domésticas seja por pais ou sogros; assim como apenas uma empresa com vistas largas permitirá que muito tele-trabalho seja solução para a mãe-excutiva.

Conclusão, melhor andaria o FMI se viesse propor estímulos fiscais às empresas que adotem de modo rigoroso o tele-trabalho, assim como incentivos compensatórios para quem investe na melhoria da organização familiar (seja por contratação de domésticas seja por ocupação de idosos). Em qualquer um dos casos se geram, aqui sim, novos empregos além de não estagnarem a taxa  de natalidade, um dos mais graves problemas do mundo moderno para o qual ninguém olha!

quinta-feira, 12 de julho de 2012

O PROFESSOR GREGO



Numa oportunidade única de ter à mesma mesa o Senador Cristovam Buarque (ex-Ministro da Educação do Brasil) e o atual embaixador de Portugal no Brasil, Francisco Ribeiro Telles, tive o privilégio de escutar e aprender com as perspetivas políticas e diplomáticas para alguns dos principais problemas que afetam os dois países e o mundo em geral.

O Senador Buarque mencionou um exemplo que o marcara em recente visita à Grécia e que diz muito do que se está a passar – e continuará - na velha europa em recessão. Um professor universitário ateniense a quem o governo cortara drasticamente o salário e o horário de trabalho viu-se na contingência de rever todas as opções orçamentais familiares, desde logo passar a usar transportes públicos ao invés de carro próprio e colocar o filho numa escola pública retirando-o de um colégio privado. Até aqui, nada de novo. Temos escutado todos semelhantes histórias, em Portugal também.

Acontece, que o inovador da estória reside no fato do dito professor universitário, uma vez com o horário de trabalho reduzido, decidiu emprestar o seu conhecimento e experiências académicas à nova escola pública do filho, que se preparou para este tipo de novas circunstâncias. Ou seja, um novo modelo de voluntariado a despontar que aproveita o “know how” e as qualificações de uns para melhorar o ambiente e as competências escolares de outros. Tal como ao Senador, também me pareceu oportuno e interessante.

O maior desafio que o mundo moderno está a atravessar é no seu modelo de distribuição de riqueza e de competências. Afinal de contas, apesar da crise profunda, o número de milionários aumentou. Ao mesmo tempo que o desemprego não pára. Existe aqui uma incongruência profunda que merece respostas disruptivas.

Pensar em rever a jornada de trabalho pode ser uma opção para repartir por mais a oportunidade de emprego. Assim, não se olha o problema apenas do lado do salário. Concomitantemente, tem de refletir-se sobre o que fazer e dar a fazer nos novos horários livres. Pois bem, o voluntariado qualificado e qualificante como o expresso no exemplo do professor grego pode ser uma opção, que o estado estimule através de benefícios fiscais quando verificado em domínios públicos ou de elevado impacto social, económico e educativo. Afinal, uns vão dedicar parte do seu tempo a melhorar a vida dos outros.

Até  aqui o voluntariado era para consumo pessoal e alimentar a auto-estima, a partir de agora deve ser um modelo pensado publicamente, articulado com setores estratégicos ou onde a crise impacta demais e com óbvio suporte governamental.



sexta-feira, 6 de julho de 2012

CANUDOS HÁ MUITOS...



Volta não volta as licenciaturas dos políticos passam a fazer as delícias da comunicação social portuguesa. Foi assim no passado recente e parece voltar a repetir-se a história. O mundo luso pára para opinar e fazer julgamentos. Todos têm opinião, mesmo os que (aparentemente) não têm a licenciatura. Aliás o que terá comentado Miguel Relvas sobre José Sócrates no passado recente?..

Mas o tema merece de fato este alarido todo? Não. É que este não é com certeza um exclusivo dos políticos, apenas são mais escrutinados e investigados. É um problema cultural do país. E isso sim é mais grave. Acresce, que se olharmos para o estado atual e para a urgência dos problemas que brotam como cogumelos – a taxa de desemprego galopante, a dívida pública, a crise social,... - o sentido de urgência justificaria que o tempo e a energia nacionais fossem aplicados de outra forma. Porém, obviamente, se olharmos do ponto de vista da ética republicana não deve fazer-se em privado o que se critica publicamente, nem fazer-se passar por aquilo que se não é. Há fatos e omissões que carecem obviamente de explicação.

Agora, gostaria de destacar duas perspetivas diferentes decorrentes deste assunto: a necessidade de qualificações dos políticos e a qualidade do ensino superior privado.

Comecemos pela segunda, em todos os casos tornados públicos, coincidência ou talvez não, estão envolvidas entidades de educação privadas. Ora, na verdade, a proliferação desmusarada de universidades privadas promovida pelos governos de Cavaco na década de noventa - sem qualquer controlo de qualidade - burlou a expetativa de muitos que não viram o mercado reconhecer-lhes o esforço, assim como deu azo a situações nublosas e pouco credíveis. Assim sendo, o problema maior e que ninguém discute está na exigível qualidade académica dos cursos de ensino superior e nos mecanismos de atribuição de alvarás para operar efetivamente dentro de padrões internacionais.

Ao mesmo tempo, já vi excelentes políticos – no sentido de quem serve exemplarmente a república e os cidadãos – sem qualquer “canudo”, assim como já vi delapidar o património coletivo a Professores Doutores! O título não faz as pessoas nem as respetivas qualificações para a função. Todavia, Portugal hoje precisa de outro tipo de políticos que jurem obediência ao mérito, à competência comprovada, à responsabilização e à liberdade mais profunda de pensamento. Mas esses escasseiam nos inadaptados e esclerosados partidos que vamos tendo...

quinta-feira, 21 de junho de 2012

RIO+20, E AGORA?



Ouvi, esta semana, no Rio de Janeiro, o seguinte comentário: “Há 20 anos, na “ECO92”, a Europa dominou a agenda ambiental, hoje não se pronunciou sequer sobre o desaparecimento dos icebergs, porque o foco é outro afundamento, o da Grécia”. A verdade é que as agendas regionais e a atual crise económica deixaram para segundo plano os objetivos centrais da Conferência das Nações Unidas sobre Sustentabilidade. A economia real impôs-se à “economia verde”.

As principais potências mundiais acabaram por participar de forma tímida no debate e, consequentemente, os demais países – sobretudo os emergentes – reagiram de igual modo. Em suma, o desinteresse de uns justificou a inépcia dos outros. Postura preocupante.

O Secretário-Geral das Nações Unidas alertou várias vezes para o fato de podermos não ter mais tempo para organizar a “Rio+40”, ou seja, em 20 anos os danos causados no ambiente serão (como em muitos casos hoje já sentimos) irreversíveis. Sinceramente, o clima diplomático era de algum otimismo, porém custa-me aceitar pacificamente que nestas conferências as declarações finais sejam boas em si mesmo, apenas porque resultam da “arte do possível”.

Rever os modelos de crescimento dos países é imperativo não apenas porque gera as manifestas desigualdades sociais que conhecemos, mas igualmente porque têm sido feitos à custa de uma exploração desregrada e desproporcionada dos recursos naturais. A situação é de emergência real, todavia na agenda política a crise financeira e o desemprego deixam pouco espaço para o ambiente e sustentabilidade. O que é um erro, pois eles são concomitantes e não excludentes.

Enquanto isso, sabe-se já que a receita turística destes dias de Rio+20 na “cidade maravilhosa” é superior a 60 milhões de reais. Impressionante aporte! Porém, a verdade é que o Rio não estava preparado para receber este tipo de eventos globais. Não tem infraestruturas (hoteleiras, viárias, aeronáuticas,..) nem profissionalismo organizativo. As coisas acontecem porque têm de acontecer, a custo elevado e consumindo muito da paciência e do tempo coletivos.

É uma pena. O Rio tem todas as condições naturais, mas falta-lhe ainda o resto, que é muito. Vejamos agora como vai ser com a Copa do Mundo e, em especial, com os Jogos Olímpicos. O temor aumentou!

sexta-feira, 15 de junho de 2012

A ACADÉMICA E A REGIÃO CENTRO



O estimulante desafio lançado por este jornal traz-me à memória uma expressão célebre do ex-Presidente americano John Kennedy: “Não pergunte o que o seu país pode fazer por você. Pergunte o que você pode fazer pelo seu país”, porquanto acho, salvo melhor opinião, que a pergunta não é o que a região quer da Académica, mas ao invés o que a Briosa quer da região.

Apesar de tudo, cabe aqui uma resalva: a Briosa tem dimensão nacional. Muito mais que regional portanto. Aliás a única instituição (para além de Benfica, Porto e Sporting) com esse cariz.

Ainda assim, a Académica é atualmente a principal e mais reputada instituição desportiva do centro de Portugal. Tem o melhor palmarés, o maior número de sócios e a maior notoriedade. Só por si são ingredientes mais do que suficientes para podermos ambicionar mais.

A Académica tem que ter, desde logo, uma estratégia de abordagem económica e social da região. Será que a tem?.. Na verdade, a formação nas camadas jovens poderia, e deveria no meu entender, ser um ótimo ponto de partida, pois trazer para Coimbra os potenciais craques dos distritos limítrofes é um laço objetivo e afetivo com a região. A Académica passaria a ser reconhecida como a “escola desportiva e de vida” de muitas crianças e adolescentes de Aveiro a Castelo Branco e de Viseu a Leiria.

Por outro lado, a multiplicação e disseminação das “Casas da Académica” pela região transformando-as nos principais pontos focais relevantes para atrair novos associados, novos patrocinadores e potenciais atletas.

Existe ainda a necessidade óbvia de uma estratégia de relacionamento institucional amigável e continuado da Académica com os munícipios da região, podendo a imagem da Briosa – agora internacional por via da Liga Europa – servir para promover não apenas a cidade do Mondego mas muitas das atrações e pontos de interesse dos distritos da região.

Concluindo, esperar que a região – dos cidadãos anónimos aos seus principais líderes – venham ter de mote próprio com a Briosa é uma ingenuidade ou atavismo, por isso mesmo cabe-nos a todos os academistas e, em especial, à direção da Académica traçar um rumo claro. Acima ficam algumas ideias. O contexto atual é o ideal por força da dinâmica gerada pela vitória na Taça de Portuga e a futura presença na Liga Europa.




quinta-feira, 7 de junho de 2012

O CIRCO



Começa em breve mais um desafio europeu para Portugal. Desta feita dentro de quatro linhas. Tal como fora delas, a Alemanha aparece-nos no caminho. Desta vez não há Troika a mediar, mas vamos ver como se comporta o juíz da partida.

Como sempre, os alemães partem favoritos, mas vejamos se – como no passado – os surpreendemos com a nossa criatividade e improviso peculiares. Na economia real não há espaço para improvisar, mas em campo e no 11 contra 11 é sempre bom deixar sonhar Ronaldo e Companhia. Há uma nação à espera de uma vingança desportiva. Ansiosos por um nó cego nas medidas que aprofundam a recessão e fazem aumentar o desemprego. Com “fair-play”, é certo, vamos dar tudo para derrotar em campo a rapaziada da Senhora Merkel. Já que para bater o pé, Passos e a trupe “não os têm no sítio”, esperemos, pois, que Paulo Bento e os demais mostrem com quantos paus se faz uma jangada!

Enquanto houver vida há esperança. E esperança é coisa que nunca faltou aos Portugueses. Falta-nos tanto, mas paciência temos para dar e vender, por isso até ao apito final acreditamos! Nas guerras dos euros – a do futebol e a da finança – estamos na mesma: com esperança e paciência. É o que nos resta.

Ora, foi neste difícil contexto que o patético “mister” Manuel José veio destilar fel relativamente à seleção portuguesa de futebol. Classificou de “circo” a fase de preparação para o Europeu da Polónia e da Ucrânia. “Mister” Carlos Queiróz, não querendo que a patetice fosse um exclusivo daquele, aproveitou a onda e veio dizer “esfola”.

Manuel José e Carlos Queiróz devem estar de mal com a vida. Afinal de contas, há muito que em Portugal ninguém os recruta...talvez seja por isso. Ainda que os resultados finais lhes venham a dar razão – e objetivamente a probabilidade é grande– o momento e a forma como decidiram vir publicamente atacar técnicos e atletas portugueses é um erro e uma traição. Somos uns craques a gerir mal o tempo. 

Agora, o lado bom desta coisa, é interpretar as críticas com motivação (“a la Mourinho!) e só há uma forma de responder aos algozes e anunciantes da desgraça: é em campo. Com raça, motivação e entrega!

Força Portugal!

sexta-feira, 1 de junho de 2012

OS MISERÁVEIS


Dá título a esta prosa a obra prima do françês Victor Hugo em que a personagem principal, Jean Valjean, é o expoente máximo do Homem que luta contra todas as adversidades e injustiças da sociedade. Diria, hoje, um esterótipo de muitos milhares de portugueses que já estão, ou prestes a estar, no rol dos 15% de desempregados. A maior tragédia da sociedade lusa dos últimos 30 anos.

Os números assustam pelo crescente gigantismo, mas a inépcia política para os derrubar revolta. Sobretudo, quando todos percebemos que a receita dos últimos dois anos não resultou. Crescimento e emprego não se geram com mais impostos e cortes salariais. Cortar “as gorduras” do setor público não implica forçosamente estrangular empresas e pessoas.

Não preciso citar – uma vez mais, pois já o fiz amiúde – o Nobel Paul Krugman para reforçar que menos investimento e mais impostos só trazem recessão, invocarei, antes, a insuspeita economista Teodora Cardoso quando, ontem, reforçou a ideia de que “estamos à beira do Terceiro Mundo”, dada a perda de competitividade forçada por salários baixos e tamanha redução do investimento e poder de compra.  

Como Teodora bem lembrou a competitividade depende muito mais da qualificação das pessoas e da qualidade dos processos do que da redução dos custos de produção. Os setores de ponta e tecnologia são disso um bom exemplo.

Para confirmar este discurso, noutra latitude, as autoridades brasileiras decidiram agora baixar ainda mais as taxas de juro e ponderam reduções fiscais para estímular o crescimento que está em queda por influência global.

Portugal precisava mudar de vida? Sim. Pena é que as vítimas sejam as gerações que nenhuma responsabilidade tiveram no regabofe dos últimos 30 anos em que o desperdício e a incompetência foram a palavra de ordem. Ainda vamos a tempo? Sim. Mas expliquem-nos por favor o caminho e as razões do mesmo. Não estamos condenados a ser miseráveis!

sexta-feira, 25 de maio de 2012

SERVIÇO PÚBLICO



Vivo num país – a 5ª potência do Mundo atual – onde a educação pública é má, a saúde pública desaconselhável e, mais ou menos, tudo o que é gerido a partir do Estado tem elevado grau de ineficiência e desconfiança. Mas,  contexto atual, dá-me um bom termo de comparação com os serviços públicos portugueses.

A saúde pública portuguesa é (ainda) uma das melhores do Mundo. A escola pública (onde fiz orgulhosamente toda a minha formação) é de elevada qualidade. E outros serviços de natureza pública são, regra geral, bons, apesar dos nossos queixumes.

Obviamente, que, segundo índices de racionalidade económica e por critérios de eficiência na gestão, há muito a fazer em Portugal. Muito onde se pode cortar e muito mais ainda onde se pode estimular para obter melhores resultados.

Mas o atual governo não quer melhorar os serviços públicos. Quer acabar com eles. Chamam-lhe eufemisticamente privatização, mas na verdade é extermínio. O governo de direita liberal que comanda os destinos de Portugal está numa cruzada incessante de desmantelamento de tudo o que é ou cheira a serviço público. O erro está, desde logo, no preconceito. Fazem-no porque ser de direita - vem nos livros - é ser contra a presença do Estado em qualquer setor. E isso é mau.

O melhor exemplo de digno e relevante serviço público a que assisti foi no passado domingo e prestado pela RTP. Acompanhou detalhadamente a festa coimbrã com a vitória da Académica. Ninguém mais o faria. É serviço público? É, porque a festa não é um exclusivo do Marquês de Pombal, nem da Avenida dos Aliados. É também da Praça da República!

Querem poupar nas contas? Pois então não paguem fortunas ao Futre, ao Baião e demais. Dêem oportunidade aos jovens jornalistas no desemprego e aos muitos artistas desocupados que por bem menos demonstrarão enormes capacidade, dons e atributos. Serviço público é também responder na crise de forma diferente.

quinta-feira, 17 de maio de 2012

NUNCA NOS RENDEREMOS!



Este será um fim-de-semana especial. Muito especial, aliás. Regressar a casa para junto da família e dos amigos seria por si só um prazer, mas acrescentar uma ida à final do Jamor para ver a Briosa torna a coisa histórica e indescritível.

A Académica já chegará ao épico Estádio Nacional vencedora. Para lá chegar derrotou, entre outros, o Campeão Nacional. Um feito notável. Uma vitória, portanto. Além disso, resistiu e não foi despromovida. Como sempre um suplício. Mas outra vitória. Acresce, que também pode agora usar do epíteto de “equipa europeia”. Ah, pois é! E é ou não outra vitória?..

Apesar de tudo, várias gerações - entre as quais a minha – desejam poder reviver em 2012 o sonho da Briosa campeã no longínquo ano de 1939. Concentremo-nos, então, no essencial: vencer no próximo domingo!

Não sei o que treinador e diretores irão dizer aos atletas para os motivar nas horas que antecedem a partida. Sei, todavia, que esse exercício não é um pormenor mas um “pormaior”. Sei que os grandes campeões são exímios nessas sessões de motivação e de “team building”. Ora, perguntem ao José Mourinho!..

Algumas ideias que os jogadores deverão ter em mente: representar a secular Académica é um privilégio não um direito; não estaremos perante uma simples partida de futebol mas num reencontro de Coimbra com a sua história; a auto-estima de muitos milhares projeta-se no esforço dos 11 eleitos e, acima de tudo, o segundo é o primeiro dos últimos.

É, também, o tempo para revisitarmos um dos mais belos e marcantes discursos da história mundial, quando Winston Churchill, em 1940, na Câmara dos Comuns, após a derrota da França perante a Alemanha nazi, incitou os Ingleses com: “Lutaremos nas praias, lutaremos nos lugares onde estivermos, lutaremos nos campos e nas ruas, lutaremos nas colinas, nunca nos renderemos...”.

Este é o espírito que se deseja. Lutar com “sangue, suor e lágrimas” até ao último minuto para dignificar a memória e o futuro da melhor instituição do mundo!  

quarta-feira, 16 de maio de 2012

REGRESSO Á POLÍTICA


A França escolheu um novo presidente. De esquerda. Assumidamente de esquerda. Sem equívocos. Isto significa que os franceses optaram por uma mudança significativa, não apenas no estilo, mas no conteúdo das políticas públicas.

A França foi – há demasiado tempo – um laboratório político essencial para a construção de medidas de proteção social, defesa dos trabalhadores e garantia de direitos. Um exemplo para muitos outros países. Depois, veio o declínio. Da economia francesa e da política francesa. Há muito que a França não influencia em nada.

Ora, neste momento de profunda crise europeia, a França pode ter uma palavra muito relevante. Sobretudo para não deixar aprofundar o fosso entre os do Sul e os outros. E, ainda, conter o desmando liberal-radical da egoísta senhora Merkel.

Curioso – ou talvez não – na mesma semana, o Presidente dos Estados Unidos assume uma medida histórica do ponto de vista dos direitos civis: o reconhecimento do casamento entre pessoas do mesmo sexo. Quem conhece o conservadorismo (tantas vezes cínico e farisaico) dos americanos sabe o impacto político deste anúncio.

Obama demonstra uma vez mais coragem e sentido estratégico. A seis meses das eleições quer deixar bem clara a diferença ideológica entre os democratas e os conservadores. O “casamento gay” é não apenas importante como medida para o reconhecimento da igualdade nos direitos, mas tem um significado político incontornável: tal como em França, hoje, nos EUA discutem-se posições perante a economia e a sociedade com forte pendor ideológico. Obama percebeu que vale a pena arriscar e ir mais fundo.

Este regressso à política ou ao sentido mais ideológico das funções governativas é bom para o Mundo. Enquanto isso, em Portugal, nada de novo...


quinta-feira, 3 de maio de 2012

TEMPO DE QUEIMA


“O primeiro a gente nunca esquece” é uma frase reconhecida por todos no Brasil. Resultou de um slogan criado por Washington Olivetto para promover, há muitos anos, a venda de um soutiã. Desde então, a frase-slogan passou a ter as mais diversas utilizações e significados...

Lembrei-me disto ao recordar que esta é, com certeza, a semana mais importante do ano para os estudantes de Coimbra. Aproveitem-na, pois! Muitas das marcas indeléveis dos tempos universitários constróem-se, a cada ano, por estes dias de Maio.

Pelo menos, comigo, foi assim! A primeira nunca esqueci, mas as seguintes também não!..

Hoje, compreendo, mais do que nunca, que a distância física aumenta a necessidade de referenciais. Seja em relação a pessoas, a entidades ou ao país como um todo. Viver deste lado do Atlântico – a muitos milhares de quilómetros das origens – dá uma relevância nunca sentida às coisas mais simples da vida. E a semana da Queima era uma dessas coisas simples da vida e, também, uma das mais esperadas.

O genial filósofo Eduardo Lourenço referiu-se, há uns dias, a Coimbra como “uma cidade de ordem poética”. É o de fato. Se assim não fosse, as memórias de tantas e tantas gerações passadas por Coimbra seriam algo vago e superficial. Sabemos bem que não são! Sabemos todos que Coimbra tem uma magia única de atrair para o resto da vida, mesmo quando é provinciana, ingrata e atávica.

Será por isso que até os exageros próprios da semana da Queima têm o seu lado poético...

Enfim, os dias atuais são difíceis, sobretudo para quem está prestes a terminar a universidade em Portugal. Mas, ainda assim, aproveitem estes momentos únicos e irrepetíveis. Sonhem os vossos próprios sonhos embalados por uma Coimbra única.

Na próxima semana haverá tempo de sobra para compreender como enfrentar o futuro.

quinta-feira, 5 de abril de 2012

NOVIDADE POLÍTICA



Esta semana, uma importante pesquisa divulgou que a Presidente Dilma Rousseff detém aprovação pessoal de 77% dos brasileiros. Resultado impressionante ao final de um ano de mandato, sobretudo se considerarmos que perdeu meia-dúzia de ministros pelo caminho e que a economia não cresce como desejado. Para se ter a noção real do que significa este apoio faça-se a comparação com os ex-presidentes Fernando Henrique Cardoso e Lula da Silva, que, em igual período dos seus governos, tinham “apenas” 60% e 54% respetivamente.

Dilma, a quem acusavam de falta de carisma representa algo novo na política brasileira. E é essa novidade que seduz e a transforma em produto popular. Ou seja, numa sociedade estigmatizada pela corrupção e pela suspeição permanente, Dilma adotou uma postura de firme condenação do fenómeno e de evidente distanciamento face aos suspeitos, mesmo quando seus apoiantes. Isso, de forma tão ostensiva, é novo no Brasil. Há uma geração nova que desejava essa atitude.

Por outro lado, no Brasil, apesar da riqueza de recursos, faltam políticas de gestão pública focadas em eficiência e resultados. No meio do processo burocrático consome-se demasiado tempo, energia e meios, prejudicando o objetivo central. Os americanos usam a expressão “accountability” para descrever a relevância de avaliação responsável permanente para análise de eficiência e resultados. Algo que falta muito em Portugal também... Ora, Dilma – que é sobretudo uma gestora e aprendiz de política – tem essa obsessão com a dita “accountability” pública. Algo novo também!

Enfim, poderíamos continuar, mas, essencialmente, a conclusão é que há uma mudança global dos perfis políticos e do que os cidadãos esperam de quem os governa. Anseiam por rostos novos, com percursos diferentes, com vidas comuns e iguais às suas, com ambição, com experiências globais e próprias do tempo que vivemos. Alguém duvida que os eleitores conscientes estão fartos dos mesmos de sempre com a política do costume?..

Ao escrever estas linhas, dei-me conta que o PS em Coimbra anunciou para breve a escolha do seu candidato à Câmara Municipal, talvez fosse oportuno olhar para o passado recente e, sobretudo, para o futuro para fazer a escolha certa. Já agora algo novo. Como Dilma, por exemplo.

quinta-feira, 29 de março de 2012

CUSPIR NA SOPA!



O Brasil tem no petróleo uma das suas riquezas atuais e um motivo de esperança assumida num futuro melhor. Enquanto os políticos discutem (e não se entendem) quanto à distribuição e afetação dos “royalties”, os derrames e desastres ecológicos sucedem-se. Pior: a ideia que fica é a de uma impotência absoluta face aos fatos. Ou seja, este exemplo serve apenas para demonstrar como o “país do pré-sal” tem no seu atual motivo de júbilo um elevadíssimo risco ambiental. E, “estão nem aí”...

Durante muito tempo, um pouco por todo o lado, a ecologia foi uma importante bandeira política. Sinal de modernidade. Criaram-se mesmo partidos com pendor ambientalista. Os anos passaram e “os verdes” até chegaram ao poder em relevantes países do mundo. Mas, e isso mudou alguma coisa?..

O que mudou mesmo foram as preocupações das pessoas. Hoje, a questão ambiental não aparece entre as prioridades dos cidadãos, ao invés do emprego, da saúde e da habitação, núcleo das inquietações individuais.

A Rio+20 – conferência das Nações Unidas sobre Desenvolvimento Sustentável  –vai ter lugar, em Junho, no Rio de Janeiro. Já muito se fala da dita, sobretudo porque há meses que a capacidade hoteleira do Rio esgotou e se abrem ótimas perspetivas de negócios para os diversos setores, em especial o turístico. Quanto ao objeto que se lá vai tratar, a espaços ouvem-se uns rumores...

Mas se observarmos o que mudou desde a Conferência do Clima, também no Rio, em 1992, chegaremos a tristes e decepcionantes conclusões.

Os Estados, na voracidade dos dias globais em que a competitivade internacional impera, acabam por estar mais preocupados com os baixos custos produtivos e com o acesso ao capital do que propriamente com a sustentabilidade ambiental.

Produzem convenções juridicamente pomposas – que uns assinam e outros não, mas que raramente alguém respeita porque não há verdadeiros mecanismos de fiscalização e penalização - criaram mercados para comercializar carbono e outro tipo de inovações que ninguém entende, mas o saneamento básico continua por fazer, o tratamento e reciclagem dos resíduos é uma miragem e as reservas de água seguem maltratadas um pouco por todo o mundo.

Em suma, andamos literalmente a “cuspir na sopa”.

quinta-feira, 1 de março de 2012

E A CULPA É DO GALLO!?


Uma das mais recentes campanhas publicitárias do Azeite Gallo, no Brasil, está a ser alvo de queixas por alegado racismo. A marca decidiu salientar a importância do vidro escuro para preservação de determinadas qualidades e características do produto. Simples. Na base da reclamação, pasme-se, está o slogan “Nosso azeite é rico. O vidro escuro é o segurança”. Como dizem por estas bandas: “me poupe”.

É um absurdo ver numa mera campanha publicitária que, por ser isso mesmo, recorre a efeitos linguísticos e de imagem especiais, um atentado racista. Neste caso a situação torna-se ainda mais ridícula quanto é sabida e reconhecida a associação no Brasil entre ricos e segurança e que a maior parte destes se veste de preto ou são mesmo de raça negra. Estavámos então perante estereótipos, apenas.

Acresce, que, no Brasil, o tema do racismo é ainda hoje uma questão mal resolvida e que muitas vezes serve (vezes demais, diria) para fazer ajustes com a história. Se a marca de azeite Gallo não fosse portuguesa teria havido semelhante reação? Fica a pergunta...

Por outro lado, o tema racismo responde e alimenta diversos interesses por estas bandas. Desde Organizações Não Governamentais que vivem por conta do erário público para tratar do tema até partidos políticos que fazem dessa bandeira um fantasma com intuito eleitoralista, vê-se de tudo.

O racismo existe. Seria impossível não existir numa sociedade onde a miscigenação cultural é tão evidente e, sobretudo, onde as desigualdades sociais são ainda tão gritantes. Porém estes problemas resolvem-se de outra forma que não acusando uma campanha publicitária inofensiva de um azeite português.

Finalmente, um dado relevante do Censos 2010: há mais pessoas declarando-se pretas e pardas. Este grupo subiu para 43,1% e 7,6%, respetivamente, na década de 2000, enquanto, no censo anterior, era 38,4% e 6,2% do total da população brasileira. Já a população branca representava, em 2010, 47,7% do total; a população amarela (oriental) 1,1% e, a indígena, 0,4%.

Arriscaria, assim, dizer que, hoje em dia, quando quase metade da população é negra ou parda o racismo é um fenómeno muito mais económico que cultural. E a culpa é do Gallo!?.. 

sexta-feira, 24 de fevereiro de 2012

INSPIRAÇÃO COREANA




É deprimente ler os jornais portugueses. Desemprego, crise, depressão, crime, cortes salariais e emigração são, com certeza, as expressões mais usadas. Mais grave se torna, quando não percebemos onde termina este buraco recessivo e em nome de quê se estão a impor tantos sacrifícios.

Valeria, pois, a pena enviar parte do governo português, qual viagem de estudo, à Coreia do Sul para compreender como aquele povo, com orientação do Estado mas sem castração da iniciativa privada, se reabilitou da gravíssima crise financeira de 1998 e, hoje, se apresenta como país-modelo com taxas de crescimento elevadas e desenvolvimento sustentado.

Samsung, LG, Hyundai e Daewoo são exemplos, entre outros, de marcas coreanas que se tornaram globais e casos de sucesso. Na origem está o suporte estratégico que receberam do poder público para se transformarem em empresas exportadoras e com elevado índice tecnológico. Ou seja, cedo os coreanos compreenderam que o crescimento sustentado não pode depender apenas do mercado interno e que o Estado, sobretudo na definição das políticas de acesso ao crédito e aos estímulos à exportação, pode dar uma ajuda inestimável.

Por outro lado, os coreanos foram motivados a associar-se. A criar grupos económicos fortes pela soma das partes. Ou seja, a globalização dos mercados exige níveis de competitividade muito elevados que apenas uma cooperação estratégica pode dar escala. Dito de outro modo, grandes grupos portugueses (na construção civil, distribuição alimentar, energia, etc etc) são “nano-entidades” à escala mundial, pelo que os agrupamentos de empresas, sobretudo voltados para estratégicos mercados externos, deveria há muito ter sido opção nacional.

Finalmente, e talvez o mais importante dos condimentos do sucesso coreano, o investimento público em educação. Hoje, o modelo educativo coreano contém inúmeras “boas práticas” mundiais, fomentando o conhecimento das ciências exatas e estimulando competências para a economia do conhecimento e para a sociedade da informação, afinal de contas aquilo que hoje faz mover o mundo.

Com a “estratégia do pastel de nata“ não chegaremos a lado nenhum. Mais vale ir a Seul aprender intensivamente como se faz.

quinta-feira, 16 de fevereiro de 2012

DEMITA-SE SENHOR PRESIDENTE!


Declaração de interesses: nunca votei em Cavaco Silva, quer para Primeiro-Ministro quer para Presidente, porém reconheço alguns méritos no seu primeiro mandato presidencial. Advertência feita, vamos ao que interessa.
Os ilustres constitucionalistas Gomes Canotilho e Vital Moreira são autores de um livro célebre – “Os Poderes do Presidente da República” - que deveria estar presente na mesa de cabeceira de Cavaco Silva e ser relido quase diariamente. Sobretudo no contexto atual do país e da europa.

Portugal vive hoje sem a sua maior figura de referência: o Presidente da República. Aquele que deveria exercer uma “magistratura de influência” (na definição de Mário Soares), ser o catalizador da unidade nacional e o garante da estabilidade necessária para mudar, simplesmente não existe!
Cavaco perdeu a noção política das coisas. Alguém que, como ele, se permitiu comentar sobre os respetivos rendimentos num momento em que muitas centenas de milhares de portugueses não têm para sobreviver é um Presidente alheado da realidade coletiva.

Alguém que, como ele, ainda ontem, cancelou a ida a uma escola de Lisboa por receios de ouvir críticas estudantis é um Presidente autista e amedrontado com o pulsar social. O tal sentimento de angústia que ele deveria procurar compreender e ajudar a superar nos termos dos seus poderes constitucionais.
Navegando pelas redes sociais percebe-se como Cavaco perdeu o país e como se transformou numa espécie de anedota nacional. Como republicano lamento sinceramente.

Ser Presidente implica ter coragem política, como outros no passado recente que dissolveram a Assembleia da República. Ser Presidente exige ter uma simbiose com o sentir popular, como outros que hoje não o sendo mais ainda a têm. Ser Presidente acarreta a responsabilidade, agora mais do que nunca, de estar na base das soluções e não ser mais um problema ou interpretado como um mero custo democrático.
A coisa chegou a tal ponto que nem há mais espaço para dizer “deixem-no acabar o mandato com dignidade”, como fez Soares quando Cavaco era PM.

Demita-se, pois, Senhor Presidente.

quinta-feira, 9 de fevereiro de 2012

ERA O QUE MAIS FALTAVA!


Portugal está mal? Está. Mas ainda não perdeu a face nem a dignidade. Somos uma das nações mais antigas do Mundo e, por isso, o respeito é devido.


O Presidente do Parlamento Europeu, o alemão Martin Schulz , criticou com desfaçatez o governo de Portugal por apelar ao investimento externo no nosso país, designadamente junto de angolanos.


O Senhor Schulz ou é burro ou anda distraído. Arriscaria dizer que talvez as duas!

Desde quando um político alemão, seja ele de que partido for e tenha mais ou menos peso institucional na Europa, tem legitimidade para se pronunciar sobre as opções diplomáticas de Portugal? Desde quando se arroga no direito de condicionar ou comentar as possíveis parcerias económicas que o governo português deseje realizar? Ora esta!


Mais grave se torna, quando os espúrios argumentos assentam na demagogia mais profunda. Diz o Senhor Schulz que a entrada de capital angolano (ele deveria estar a pensar também no brasileiro, no chinês e em tudo o que não seja europeu) conduzirá ao “declínio de Portugal”. No declínio já nós estamos. E alguns dos (muitos) responsáveis têm assento em Bruxelas, onde o Senhor Schulz passa três dias por semana enlevado em mordomias mil.


Leia-se (com esforço para não sorrir) as deliciosas considerações do Senhor Schulz para criticar o apelo português a capitais estrangeiros: “porque não defendemos o nosso Estado de direito, e o modelo dos direitos do homem, e uma crescente capacidade económica, para desafiar, não só do ponto de vista económico, mas também de democracia política? [...] Se não tomarmos rapidamente esta decisão, a Europa tornar-se-á irrelevante”. Uma vez mais o dito Senhor é burro ou anda distraído.


A Europa é cada vez mais irrelevante do ponto de vista económico. Resta-nos a importância do legado histórico e de alguma tradição social. No mais, foi na Europa que tiveram lugar genocídios perpetrados por conterrâneos do Senhor Schulz, já que veio agora falar de direitos humanos.


Enfim, Portugal só tem uma saída para a crise: internacionalizar o mais possível a sua economia e isso passa por colocar os produtos e empresas portuguesas nos mercados em expansão (que não é o caso europeu) e atrair capital estrangeiro para gerar emprego, o tal que também não vem da Europa. Por tudo isto, o Senhor Schulz perdeu uma boa oportunidade para estar calado.

quinta-feira, 2 de fevereiro de 2012

SEM VERGONHA!


Em Espanha, o governo de direita recentemente eleito acaba de anunciar que vai rever a Lei da Interrupção Voluntária da Gravidez (IVG), num injustificado retrocesso civilizacional. Aqui, o governo português, também de direita, já anunciou que pretende muito provavelmente fazer o mesmo. As más práticas replicam-se...

Num caso como noutro estamos perante embustes do tamanho do défice! Na verdade – e a direita é exímia nisso – os governantes de um e de outro lado da fronteira estão-se borrifando para a saúde pública, para os direitos das mulheres e para o combate ao aborto clandestino. Este tipo de decisão, num caso, e anúncio noutro, corresponde a uma manobra antiga de diversão, isto é, criar um fato paralelo que distraia as mentes face ao essencial.

Portugal, como Espanha, vivem hoje os momentos sociais e económicos mais difíceis desde a implantação das respetivas democracias. O desemprego atinge as mais altas taxas de sempre, o poder de compra nunca foi tão escasso, as empresas definham sem mercado, a banca está comprometida sem igual, etc etc. Ora, e perante este cenário pré-catástrofe os governos de direita eis que tiram da cartola a necessidade de rever a Lei da IVG, pois isso sim impacta no quotidiano das pessoas e vai, com certeza, mudar o rumo das coisas...

Lamentável! Vergonhoso! A direita sabe que o tema do aborto mobiliza consciências, divide, agita opiniões e tem espaço mediático, por isso o “show off” premeditado. Enquanto o “zé” estiver ocupado no café a discutir sim ou não ao aborto, enquanto nas missas se fizem sermões sobre o tema, enquanto as televisões alimentarem debates fraturantes, o governo descansa...tem mais tempo para pensar como (não) enfrentar a crise!

Como se não bastasse, ouvindo os responsáveis da direita, em Portugal e em Espanha, usam o mesmo argumento: foi uma promessa eleitoral e por isso está legitimada. Legitimada? Uma porra! Na verdade, também prometeram não aumentar impostos e conter o desemprego e nenhuma das duas está a ser realizada. A legitimidade democrática é outra coisa, bem mais séria e responsável!

Para já, perguntem às milhares de mulheres portuguesas, a maioria de baixa condição económica, que deixaram de abortar (e de correr risco de vida) em abortadeiras de vão de escada qual a respetiva opinião. Isso sim, conta e legitima!


sexta-feira, 20 de janeiro de 2012

SOPA INDIGESTA


Na próxima semana o congresso norte-americano debate a SOPA, um projeto normativo (supostamente) anti-pirataria que a ser aprovado representaria um ataque sem paralelo à internet como a conhecemos: a maior auto-estrada tecnológica de comunicação e informação de sempre.

Nunca se viu um ataque global tão massivo. Mutatis mutandis seria como uma guerra nuclear de escala mundial. Como muita da base da internet está, ainda, sediada nos EUA os efeitos da aplicação da legislação americana impactaria em todo o Mundo, não deixando liberdade para usuários, empresas e estados poderem contra-reagir.

Basicamente, a motivação da SOPA assenta num esforço de pressão das indústrias cinematográfica e musical americanas para que não possa haver qualquer tipo de reprodução na net das obras musicais e dos filmes sem autorização de autores e editoras e o pagamento dos respetivos direitos.

Caso tal aconteça, a proposta em apreço manda extinguir e encerrar administrativamente os sites que publiquem ou veiculem tais imagens e sons, sem qualquer intervenção judicial ou possibilidade de defesa.

Isto seria o fim de milhões de blogues, de milhões e milhões de resultados que os motores de busca passariam a ter de omitir, muito provavelmente o fim do Youtube, do Facebook e de muitas outras redes sociais tais como as conhecemos hoje em dia. Um descalabro, portanto.

A internet há muito que deixou de ser uma coisa de “geeks” e de “nerds”. É a plataforma comunicacional e de relacionamento dos tempos modernos. De tal modo que em muitos países se discute a inserção do direito de acesso à net nas próprias constituições como algo tão fundamental como a educação, a saúde, água e a luz.

A internet é, hoje, uma fonte de inovação permanente, um espaço de comunicação global, uma plataforma comercial e económica gigantesca, que ainda está muito subaproveitada para ajudar a tornar o mundo num espaço melhor.

Alguns congressistas americanos querem agora travar o processo de evolução humana, porque é disso mesmo que se trata. Eu, pessoalmente, não concebo um mundo sem internet livre e democrática. Obviamente, deve existir regulação para evitar excessos, todavia essa deve resultar de processos globais de debate, participados e garantindo sempre o direito de defesa.

MUITO MAIS QUE 90 MINUTOS!


Nos últimos dias, apesar da enorme distância física, temos sentido uma energia mobilizadora em torno de Coimbra. A Briosa tem sido o catalizador e denominador comum.

No momento em que o presente texto está a ser escrito, estamos a 10 horas da partida mais importante das últimas décadas em Coimbra. Quando vir a luz do dia no jornal saber-se-á já o resultado final, que sendo obviamente o mais relevante não altera todavia o espírito deste registo.

Os noventa minutos de hoje não serão apenas uma hora e meia de tempo. Não será apenas um mero jogo de futebol. Não são só 11 jogadores contra 11. Não! É um jogo pela história e para a história. É um desafio de afirmação identitária. Uma cidade-região que entra em jogo.

A crise atual dá uma especial envolvência a este jogo. É uma questão de honra e de auto-estima. Coimbra, muito por culpa própria e alheia, tem somado derrotas nas décadas mais recentes. Nas diversas “quatro linhas” da vida...Tem perdido relevância nacional. Tem deixado que assim seja, por isso precisa desesperadamente de um ânimo e de um tónico para a Alma.

Hoje, está em causa não apenas (como se fosse pouco!) a possibilidade de chegar novamente à final da Taça de Portugal, passados 43 anos, mas a oportunidade para unir a cidade-região em torno de um ícone comum e de demonstrar ao Mundo o potencial local.

Coimbra precisa de galvanizar-se. Precisa de se encontrar. Precisa de descobrir um desígnio. Ora, perante a crise de lideranças locais, apenas a Académica tem a capacidade, o peso histórico e a força mobilizadora para ajudar a dar o primeiro passo. Agora!

Há uma frase que tem hoje mais significado que nunca: “o futebol não é uma questão de vida ou de morte. É muito mais importante que isso...”