Declaração de interesses: nunca votei em Cavaco Silva, quer para Primeiro-Ministro quer para Presidente, porém reconheço alguns méritos no seu primeiro mandato presidencial. Advertência feita, vamos ao que interessa.
Os ilustres constitucionalistas Gomes Canotilho e Vital Moreira são autores de um livro célebre – “Os Poderes do Presidente da República” - que deveria estar presente na mesa de cabeceira de Cavaco Silva e ser relido quase diariamente. Sobretudo no contexto atual do país e da europa.Portugal vive hoje sem a sua maior figura de referência: o Presidente da República. Aquele que deveria exercer uma “magistratura de influência” (na definição de Mário Soares), ser o catalizador da unidade nacional e o garante da estabilidade necessária para mudar, simplesmente não existe!
Cavaco perdeu a noção política das coisas. Alguém que, como ele, se permitiu comentar sobre os respetivos rendimentos num momento em que muitas centenas de milhares de portugueses não têm para sobreviver é um Presidente alheado da realidade coletiva.Alguém que, como ele, ainda ontem, cancelou a ida a uma escola de Lisboa por receios de ouvir críticas estudantis é um Presidente autista e amedrontado com o pulsar social. O tal sentimento de angústia que ele deveria procurar compreender e ajudar a superar nos termos dos seus poderes constitucionais.
Navegando pelas redes sociais percebe-se como Cavaco perdeu o país e como se transformou numa espécie de anedota nacional. Como republicano lamento sinceramente.Ser Presidente implica ter coragem política, como outros no passado recente que dissolveram a Assembleia da República. Ser Presidente exige ter uma simbiose com o sentir popular, como outros que hoje não o sendo mais ainda a têm. Ser Presidente acarreta a responsabilidade, agora mais do que nunca, de estar na base das soluções e não ser mais um problema ou interpretado como um mero custo democrático.
A coisa chegou a tal ponto que nem há mais espaço para dizer “deixem-no acabar o mandato com dignidade”, como fez Soares quando Cavaco era PM.Demita-se, pois, Senhor Presidente.
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