Esta semana o Bastonário da Ordem dos Advogados meteu, uma vez mais, o dedo na ferida: se as decisões judiciais não são respeitadas para que servem os tribunais?.. Foi mais longe mesmo e acrescentou que a Justiça no tempo da ditadura funcionava melhor.
Esta declaração, vinda de quem veio, deveria merecer a melhor atenção de todos os portugueses. Não apenas do Presidente, do Governo e dos deputados a quem estamos habituados a imputar responsabilidades. Na verdade, a crise profunda da Justiça portuguesa é, seguramente, o maior desafio que este país vive desde o 25 de Abril. É uma questão nacional que exigirá de todos o melhor contributo.
A Justiça é verdadeiramente a questão central dos muitos debates a que temos assistido nos últimos anos quando falamos de empresas, de direitos individuais, de relacionamento com o Estado, etc.
A falta de credibilidade e a perda de respeito pelos tribunais tem minado a confiança na própria democracia, pelo que os episódios mais recentes são apenas o corolário lógico e inelutável de um cancro que dissemina sem que os agentes políticos e judiciários tenham sabido reagir.
É certo que o desemprego é o nosso maior problema conjuntural, todavia, estruturalmente falando, a recuperação da eficácia e da credibilidade da Justiça afirma-se como o mais estratégico objectivo. Dele dependerá, em grande medida, a maturidade da própria democracia e a sobrevivência da nossa economia.
Senão vejamos: cepticismo, resignação, incredulidade, revolta e descrença, entre outros, são apenas algumas dos substantivos que acompanham a relação dos cidadãos e empresas com a Justiça.
Quantos cidadãos desistem de processar o Estado, porque acham que a decisão nunca chegará em tempo útil? Quantos empresários não recuperam créditos porque não acreditam no tempo e nas decisões dos tribunais? Quantos não decidem pelos seus próprios meios o que em rigor deveria ser decidido pelos tribunais?..
Todos nós, sem excepção, conhecemos casos de arbitrariedade, decisões irracionais, muitas sentenças extemporâneas e alguém que já foi vítima de má justiça. Ora isto é grave!
Assim sendo, a violação sistemática do segredo de justiça é, apenas, uma das faces visíveis da quebra das regras e dos princípios que presidem a um verdadeiro Estado de Direito. Passou-se a julgar na praça pública e no interesse do público, por contraposição a julgamentos nos tribunais e à luz do interesse público.
A comunicação social passou do papel à prática a ideia de que representa o 4º poder. É-o de facto! Quando os juízes vacilam já os jornalistas publicaram; quando as polícias investigam já os media condenaram, quando os tribunais sentenciam já o tema na comunicação social transitou em julgado! Está tudo ao contrário, lamentavelmente.
Volto ao Bastonário da Ordem dos Advogados, que além de ilustre advogado foi durante anos jornalista, para recordar que também ele invocou (diversas vezes) as violações sistemáticas das regras deontológicas por parte de jornalistas. Por outras palavras, o jornalismo em Portugal, salvo raras excepções, é de duvidosa qualidade e seriedade.
A actual crise económica obriga a puxar pela imaginação (ainda que perversamente) para se venderem mais edições, de preferência extras…Os tribunais e o direito não são mais limites, o objectivo é a sobrevivência e o “market share”.
Ainda não perceberam que vamos todos pelo cano. Todos, mesmo!