É verdade que a forma muitas das vezes é tão importante quanto o fundo. Mas é, igualmente, verdadeiro dizer que em muitas ocasiões há quem se agarre à forma para esconder a falta de conteúdo ou para desfocar do essencial. Vale isto para dizer – a propósito do casamento entre pessoas do mesmo género – que a discussão formal em curso pretende apenas “tapar o sol com a peneira”.
Não aceitar o casamento, mas apenas a união civil; assim como não concordar com a aprovação do diploma pelo governo ou pelo parlamento, mas antes por referendo é, em meu entender, um exercício de calculismo político para uns e de pura demagogia para outros.
No contexto civilizacional actual, impedir duas pessoas, apesar do género, de se unirem e, por via disso, obter iguais direitos (e deveres!) a outras uniões é incompreensível e desajustado. Só por puro preconceito se pode aceitar o “ok, que se juntem, mas não têm os mesmos direitos dos casados”.
Discriminar negativamente em função da raça, da cor, do credo, entre outros, é há muito (felizmente) considerado um crime, pelo que se não compreende qualquer tipo de discriminação em função das opções sexuais, quando isso diz apenas e só respeito ao próprio indivíduo e à sua consciência, não afectando em nada a comunidade ou o relacionamento com os outros. Aceitar que o Estado, a Lei ou os dictâmes da Igreja se imponham à vontade e as liberdades individuais (no caso) é absolutamente inaceitável e um retrocesso social e cultural.
Pois bem, há muito que Portugal – integrado na União Europeia onde outros países ditos mais avançados já deram esse passo – está preparado para reconhecer a pessoas do mesmo sexo o direito a casarem e, por via disso, as mesmas prerrogativas e deveres legais. Finalmente houve a vontade política que faltava, visto que a consciência social dominante era a este propósito pacífica. Fica bem ao Partido Socialista cumprir uma promessa eleitoral com tal celeridade (assim cumpra outras noutros domínios) e fica-lhe melhor ainda afirmar-se como partido que privilegia os direitos individuais e as liberdades. Essa é a marca da esquerda moderna!
Resta-me alertar para um erro que me parece alguns (os fanáticos) desejarem cometer: querer avançar de imediato para a adopção por pessoas do mesmo sexo. Para que conste sou defensor da adopção por casais homossexuais, porém este ainda não é o tempo nem o momento.
Ora, ao contrário do que acima se disse, parece-me que o país precisa ainda de debater melhor o tema da adopção, as consciências precisam todavia de compreender que manter crianças institucionalizadas é pior do que as entregar a quem as quer amar, independentemente da opção sexual. Portugal precisa, porém, de ser confrontado com as suas fraquezas legais e administrativas no domínio da adopção para, depois sim, se mudar: não apenas permitindo a casais homossexuais que adoptem, mas facilitando aos milhares de tantos outros (heterossexuais) que desistem no labirinto burocrático. Sempre com prejuízo das mesmas: as crianças!