quarta-feira, 30 de dezembro de 2009

SEPARAR O TRIGO DO JOIO


É verdade que a forma muitas das vezes é tão importante quanto o fundo. Mas é, igualmente, verdadeiro dizer que em muitas ocasiões há quem se agarre à forma para esconder a falta de conteúdo ou para desfocar do essencial. Vale isto para dizer – a propósito do casamento entre pessoas do mesmo género – que a discussão formal em curso pretende apenas “tapar o sol com a peneira”.


Não aceitar o casamento, mas apenas a união civil; assim como não concordar com a aprovação do diploma pelo governo ou pelo parlamento, mas antes por referendo é, em meu entender, um exercício de calculismo político para uns e de pura demagogia para outros.

No contexto civilizacional actual, impedir duas pessoas, apesar do género, de se unirem e, por via disso, obter iguais direitos (e deveres!) a outras uniões é incompreensível e desajustado. Só por puro preconceito se pode aceitar o “ok, que se juntem, mas não têm os mesmos direitos dos casados”.

Discriminar negativamente em função da raça, da cor, do credo, entre outros, é há muito (felizmente) considerado um crime, pelo que se não compreende qualquer tipo de discriminação em função das opções sexuais, quando isso diz apenas e só respeito ao próprio indivíduo e à sua consciência, não afectando em nada a comunidade ou o relacionamento com os outros. Aceitar que o Estado, a Lei ou os dictâmes da Igreja se imponham à vontade e as liberdades individuais (no caso) é absolutamente inaceitável e um retrocesso social e cultural.

Pois bem, há muito que Portugal – integrado na União Europeia onde outros países ditos mais avançados já deram esse passo – está preparado para reconhecer a pessoas do mesmo sexo o direito a casarem e, por via disso, as mesmas prerrogativas e deveres legais. Finalmente houve a vontade política que faltava, visto que a consciência social dominante era a este propósito pacífica. Fica bem ao Partido Socialista cumprir uma promessa eleitoral com tal celeridade (assim cumpra outras noutros domínios) e fica-lhe melhor ainda afirmar-se como partido que privilegia os direitos individuais e as liberdades. Essa é a marca da esquerda moderna!

Resta-me alertar para um erro que me parece alguns (os fanáticos) desejarem cometer: querer avançar de imediato para a adopção por pessoas do mesmo sexo. Para que conste sou defensor da adopção por casais homossexuais, porém este ainda não é o tempo nem o momento.

Ora, ao contrário do que acima se disse, parece-me que o país precisa ainda de debater melhor o tema da adopção, as consciências precisam todavia de compreender que manter crianças institucionalizadas é pior do que as entregar a quem as quer amar, independentemente da opção sexual. Portugal precisa, porém, de ser confrontado com as suas fraquezas legais e administrativas no domínio da adopção para, depois sim, se mudar: não apenas permitindo a casais homossexuais que adoptem, mas facilitando aos milhares de tantos outros (heterossexuais) que desistem no labirinto burocrático. Sempre com prejuízo das mesmas: as crianças!

CONTRA-CORRENTE


Temos por hábito dizer que é muito difícil dar presentes a quem já tem muito ou quase tudo, por isso mesmo esta época natalícia se pode facilmente transformar num pesadelo quando procuramos prendas para alguns familiares e amigos mais afortunados.

Mas o inverso não é menos verdadeiro: decidir o que oferecer a quem não tem nada ou tem muito pouco é de igual modo uma tarefa árdua, porquanto a definição de prioridades e a presunção do que é melhor para os outros é frequentemente motivo de discórdia.

Se estas regras simples se aplicam ao quotidiano dos homens, de igual modo se estendem aos das organizações, entidades e Estados. Vale isto para dizer que não é nada fácil responder ao desafio de buscar prendas para o país e menos ainda para a cidade de Coimbra…porque lhe falta quase tudo!

O actual contexto aconselha a muita contenção nos custos e, sobretudo, a maior prudência nas opções, por isso mesmo eu ficaria neste desiderato pelo campo das atitudes e menos pelo das soluções materiais.

Nota prévia – gosto de seguir o ditado antigo que diz que se conselho fosse bom seria vendido e não dado! Posto isto…

Ao país falta estima – bem sei que é histórico, mas… - por isso seria muito importante adquirirmos uma outra atitude nacional: de mais reconhecimento pelos nossos próprios valores, feitos e conquistas. Há muitos a quem falta “Mundo” para compreenderem como “lá fora” nem tudo é bom e que há muito feito “cá dentro” que também é cobiçado. Por isso Pai Natal venham de lá sacos e sacos de auto-estima para Portugal.

Mas Portugal precisa também de mais ambição. Ser segundo é sempre ser o primeiro dos últimos, dizem. Concordo. Para sairmos da cepa torta temos de querer ir mais longe, de fazer melhor, de alcançar sempre mais. Não nos poderemos resignar com a mediania. Há no país muitos e bons exemplos de vencedores mundiais. Há que estudar os conceitos e replicá-los. Nas escolas, nas empresas e, sobretudo, no Estado.

Portugal precisa, acima de tudo, de definir para si um modelo que assente no mérito. Um conjunto de indicadores que ponham os portugueses em avaliação permanente e com metas mensuráveis, que uma vez atingidas devem ser objecto de premiação e de reconhecimento. Uma sociedade que não reconhece os melhores não promove a competição; uma comunidade que não é a competitiva cai no atavismo e fica-se pela mediania.

Por fim, Portugal precisa mesmo de mais sentido da responsabilidade. Sobretudo quem tem poder (dos políticos aos jornalistas, dos gestores aos juízes) deve ter consciência do real impacto que as respectivas acções e omissões geram nos outros, sejam ou não os destinatários directos.

Em Portugal pensa-se pouco no efeito decisório, só isso pode justificar a vulgaridade com que se trata o segredo de justiça, a banalização com que se fala de eleições antecipadas e a intencional destruição pública do Projecto Magalhães, por exemplo.

Enfim, se o país precisa de tudo isto (e de muito mais) imagine-se uma cidade como Coimbra, há muito um modelo de mediania e de atavismo! Votos de tudo igual ao país, mas em…dobro!

quinta-feira, 10 de dezembro de 2009

DEMOCRACIA DIGITAL XXXVI


Na semana em que o Mundo tem os olhos postos em Copenhaga por causa da Cimeira do Clima, vale a pena perceber de que modo a internet e as novas tecnologias foram contribuindo nos tempos mais recentes para a sustentabilidade ambiental do planeta.

Há muito que o cálculo da “pegada ecológica” (ecological footprint) pode ser feito na net, dando-nos a percepção real da “quantidade de terra e água que seria necessária para sustentar as gerações actuais, tendo em conta todos os recursos materiais e energéticos gastos por uma determinada população”.

Ora, este tipo de iniciativa, promovida por diversas universidades e organizações não governamentais (ex: http://earthday.net/footprint2/index.html), tem feito mais pela consciencialização ambiental, sobretudo das novas gerações, que muitos diplomas legais ou conferências inter-governamentais.

Hoje em dia, as novas tecnologias permitem a divulgação eficiente de boas práticas e, essencialmente, consubstanciam modelos energeticamente eficientes. Os utilizadores e consumidores têm uma crescente consciência ambiental, de tal modo que as opções são feitas não apenas com base na performance dos produtos e serviços, mas também no respectivo comportamento energético e ambiental.

Ser “Amigo do Ambiente” não é mais uma questão marginal de meia-dúzia de “freaks”; é efectivamente uma condição diferenciadora no mercado para conquistar a simpatia generalizada dos consumidores; é uma marca distintiva para políticos e políticas; é, em suma, um sinal dos tempos modernos em que as consciências colectivas acordaram para aquele que é seguramente o maior desafio para a condição humana: preservar o planeta e o ambiente.
Publicado no JORNAL OJE

EUROPA: NÃO HÁ MAIS TEMPO A PERDER!


O Tratado de Lisboa é um marco importante no processo de construção europeia. Para nós, portugueses, duplamente relevante: pela reforma institucional que consubstancia e por fixar o nome da nossa capital para a posteridade.


Mas, a final, tudo isso será muito pouco se os actores europeus – eurocratas, eurodeputados, governos e parlamentos nacionais – não compreenderem que o tempo escasseia para definitivamente ser criada uma verdadeira identidade europeia.

Depois de criada para unir na construção do pós-guerra, de alargada para fazer face aos dois blocos da “Guerra Fria”, de aprofundada por via de um mercado e de uma moeda comum é, hoje, chegado o tempo do passo seguinte: criar uma efectiva cidadania europeia.

E o que é isso da cidadania europeia? É um quadro de valores comuns no domínio social, cultural e político. O mesmo será dizer que uma vez criada a Europa dos números importa agora edificar o mais relevante. Tudo o resto!

Enquanto existirem disparidades sociais tremendas entre os diversos cidadãos europeus (designadamente nos rendimentos e nos indicadores de qualidade de vida) a ideia europeia está longe de ser efectiva. Enquanto as oportunidades para os jovens forem substancialmente distintas no seio dos 27 países estamos muito longe de uma cidadania europeia. Enquanto os níveis de desemprego forem totalmente assimétricos no mesmo espaço geográfico não poderemos falar numa Europa socialmente justa…

A verdade é que continuamos a ter várias Europas e não uma Europa. E dentros das várias europas agregações de interesses. Temos a Europa dos países ricos e a dos países pobres. A Europa do Norte e a Europa do Sul. A Europa do eixo Franco-Alemão e a Europa dos outros. A Europa dos cépticos e a Europa dos convictos. A Europa dos interesses agrícolas e a Europa da Inovação. A Europa aberta e a Europa proteccionista. Enfim, este “puzzle” europeu tem dificultado a construção das referidas identidade e cidadania europeias.

Pois bem, por mais interessante que seja o novo ordenamento jurídico do Tratado de Lisboa, por mais inovadoras que sejam as mudanças nas maiorias deliberativas, por mais carismáticos que possam ser o Presidente do Conselho Europeu, da Comissão ou a Alta Representante tudo isso significará muito pouco se no curto prazo a Europa social, cultural e política não existir de facto. Hoje ela está longe, muito longe mesmo, de existir.

Esta ausência de uma identidade europeia tem permitido que os grandes blocos emergentes – China, Índia e Brasil – além dos Estados Unidos, claro, se afirmem crescentemente: nas trocas comerciais, nas influências culturais, no poderio militar, em suma, no comando geo-estratégico do Mundo.A Europa que temos actualmente recorda-me aquela estória da pequena formiga que montada num grande elefante em movimento se dirige a este dizendo: “Ei Elefante, já viste a tamanha poeira que estamos a levantar?!...”. Tudo não passa de uma ficção. E já não há mais tempo a perder!..

terça-feira, 1 de dezembro de 2009

O FUTURO É HOJE!!


Lisboa acolheu a XIX Cimeira de Chefes de Estado e de Governo do espaço Ibero-Americano. Falou-se muito de Honduras, da ausência de Chavez e de outras pequenas coisas mais. Portugal, no seu todo, e que teve uma capacidade organizativa notável, acaba por retirar pouco deste momento.


Senão vejamos: o DN trazia, ontem, um especial sobre a Cimeira do qual retirei os seguintes números: a Espanha investiu, em 2008, no conjunto dos países ibero-americanos, o valor global de 1300 milhões de dólares. Portugal, por seu turno, apenas 2,5 milhões. Impressionante diferença! A Espanha, depois dos EUA, é o maior investidor externo no conjunto daqueles países; Portugal não tem expressão…


Estes dados devem dar que pensar. Sobretudo num momento de crise nacional e europeia, em que os indicadores demonstram que a América Latina crescerá no próximo ano em média 6%, talvez valesse a pena pensarmos em mudar de vida. Mudar de estratégia.

Portugal tem objectivamente a necessidade de crescer por via da internacionalização das empresas. Tal só é possível exportando mais. Ora, há poucos países com um potencial natural para absorverem o que criamos: os africanos de língua portuguesa e os da América Latina, com o Brasil inelutavelmente à cabeça, devem ser os prioritários.

Já não basta falarmos na comunhão de valores históricos, de patrimónios artísticos e de identidades. Já chega de citações de Fernando Pessoa e de Camões a propósito da importância da língua enquanto factor de unidade. Chega de prosápia e de discursos cheios de metáforas.

Tudo isso é verdade, mas este é o momento em que Portugal deve, definitivamente, observar a América Latina como o continente do futuro, como o parceiro natural e desejável. Para tanto, há que mudar a nossa filosofia diplomática: do rissol e do canapé para a “agressividade” comercial, para a criatividade na construção de parcerias, para, em suma, o pragmatismo diplomático que a circunstância obriga. É que o futuro é hoje!