quarta-feira, 8 de agosto de 2012

O MITO




Escrevo na qualidade de pai. Não me contaram. Aconceteu comigo. E, pensei inúmeras vezes no meu Amigo António Arnaut, o pai do Serviço Nacional de Saúde (SNS), que ainda há bem pouco tempo acusou o governo de “submeter o SNS à tortura do 'leito de Procusta', sujeitando-o à desumanidade da sua visão neoliberal e mercantil".

Então vejamos. Hospital Distrital de Faro, após uma passagem por um centro de saúde que se considerou inadequado perante os fatos. Uma criança de dois anos e meio com a face aberta na sequência de queda doméstica. Serviço de urgência pediátrica. Após 15 minutos de espera, a triagem. Um médico pediatra espanhol informa que o Pedro deveria ser observado por um cirurgião pediátrico, mas ressalva que apenas existe um no hospital mais importante do Algarve – a região que concentra o maior número de pessoas por km2 nesta época do ano - e que, pasme-se, “está apenas um dia por semana”. Por sorte (ou não como veremos) naquele dia ele estava de serviço. Duas horas e meia depois, o Pedro, com dois anos e meio de idade, continua com a face aberta à espera num serviço de urgências cujas instalações são modernas e excelentes. Têm tudo. Ou melhor, quase tudo: equipamentos, pacientes crianças... só faltam os médicos.

Tamanha espera, permitiu-me pensar nas vezes que defendi com unhas e dentes o nosso SNS: a humanidade, a equidade e o sentido republicano que lhe está subjacente. Mesmo quando a taxa moderadora é de 20 euros, como agora. Vivendo hoje no Brasil, onde os cuidados de saúde públicos são inenarráveis, tenho defendido ainda mais intransigentemente o nosso modelo e o nosso SNS. Porém, perante a espera e o sofrimento na face aberta de um filho com dois anos e meio de idade, confesso que me vi obrigado a abandonar o mito do SNS e a descer à terra. Procurei, como alternativa, por um hospital particular, em Faro. Existe e é ótimo, confesso. Abandonadas as urgências pediátricas do público hospital distrital e entrado no hospital particular, em 15 minutos o Pedro foi observado por uma pediatra também espanhola e suturado por um cirugião pediátrico alemão. Assim nem mais. Custou sete vezes mais que o público, é certo, mas foi dezes vezes mais rápido e eficiente. E, na saúde é isso que interessa celeridade e eficência!

Enfim, no final desta lamentável epopeia lembrei-me de Fernando Pessoa, que definiu o mito como “o nada que é tudo”. Ora, o SNS é, hoje em dia, isso mesmo, nada mais que um mito.

quinta-feira, 2 de agosto de 2012

META LONGÍNQUA


Parece que foi há muito tempo. E foi mesmo! Resta-nos a memória dos Jogos Olímpicos de Los Angeles, Seul e Atlanta. Foi lá que obtivémos os melhores resultados da história olímpica portuguesa: Carlos Lopes, medalha de ouro em 1984. Rosa Mota, medalha de ouro em 1988. Fernanda Ribeiro, medalha de ouro em 1996.

Até hoje, e desde a primeira participação em 1912 (Estocolmo), os atletas portugueses conquistaram um total de 22 medalhas. Número muito pouco expressivo se, sobretudo, comparado com outros países da nossa dimensão: Polónia (261), Países Baixos (246), Grécia (108), Finlândia (299), Dinamarca (170) e Suécia (475), por exemplo. Mas, quando comparados com as potências desportivas mundiais, os resultados são risíveis – para não dizer mais: EUA (2297), Grã Bretanha (715), França (636) e a extinta União Soviética (1010).

Este ano, em Londres, e apesar de ainda não terem terminado, os Jogos Olímpicos indiciam, uma vez mais, resultados pouco auspiciosos para os portugueses. A novela da atleta desaparecida, porque supostamente grávida, é apenas mais um exemplo da forma pouco profissional como este certame é encarado em Portugal.

Os vencedores, sejam eles quais forem mas sobretudo os olímpicos, constróiem-se com planos de longo prazo e com fortes políticas públicas desportivas. E, se não sabemos fazer, copiemos (não é pecado!) os programas dos países campeões mundiais de medalhas.

E em Portugal o que se passa? Os dirigentes nas Federações e no Comité Olímpico perpetuam-se independentemente dos maus resultados obtidos, morrendo sempre solteira a (ir)responsabilidade. Os governos sucedem-se na perspetiva facilitista de meros distribuidores de subsídios ao invés de estrategas globais e definidores dos indicadores públicos de sucesso desportivo.

Em Portugal, não há cultura desportiva, porque na escola primária o desporto não é estimulado; porque as famílias preferem ter os filhos dentro de casa a ver televisão ou jogar computador; porque há décadas acabou o desporto escolar e o desporto universitário é uma ficção.

Enfim, passam-se os anos e fica tudo na mesma. A cada quatro anos armamo-nos em adeptos de sofá - de pantufas e cervejinha na mão - na esperança que o fado nos traga aquela medalhita que garantirá uns diretos televisivos no aeroporto da Portela e o orgulho pátrio desta “nação valente e imortal”.