Escrevo na qualidade de pai. Não
me contaram. Aconceteu comigo. E, pensei inúmeras vezes no meu Amigo António
Arnaut, o pai do Serviço Nacional de Saúde (SNS), que ainda há bem pouco tempo
acusou o governo de “submeter o SNS à tortura do 'leito de Procusta',
sujeitando-o à desumanidade da sua visão neoliberal e mercantil".
Então vejamos. Hospital Distrital
de Faro, após uma passagem por um centro de saúde que se considerou inadequado
perante os fatos. Uma criança de dois anos e meio com a face aberta na
sequência de queda doméstica. Serviço de urgência pediátrica. Após 15 minutos
de espera, a triagem. Um médico pediatra espanhol informa que o Pedro deveria
ser observado por um cirurgião pediátrico, mas ressalva que apenas existe um no
hospital mais importante do Algarve – a região que concentra o maior número de
pessoas por km2 nesta época do ano - e que, pasme-se, “está apenas
um dia por semana”. Por sorte (ou não como veremos) naquele dia ele estava de
serviço. Duas horas e meia depois, o Pedro, com dois anos e meio de idade,
continua com a face aberta à espera num serviço de urgências cujas instalações
são modernas e excelentes. Têm tudo. Ou melhor, quase tudo: equipamentos,
pacientes crianças... só faltam os médicos.
Tamanha espera, permitiu-me pensar
nas vezes que defendi com unhas e dentes o nosso SNS: a humanidade, a equidade
e o sentido republicano que lhe está subjacente. Mesmo quando a taxa moderadora
é de 20 euros, como agora. Vivendo hoje no Brasil, onde os cuidados de saúde
públicos são inenarráveis, tenho defendido ainda mais intransigentemente o
nosso modelo e o nosso SNS. Porém, perante a espera e o sofrimento na face
aberta de um filho com dois anos e meio de idade, confesso que me vi obrigado a
abandonar o mito do SNS e a descer à terra. Procurei, como alternativa, por um
hospital particular, em Faro. Existe e é ótimo, confesso. Abandonadas as
urgências pediátricas do público hospital distrital e entrado no hospital
particular, em 15 minutos o Pedro foi observado por uma pediatra também espanhola
e suturado por um cirugião pediátrico alemão. Assim nem mais. Custou sete vezes
mais que o público, é certo, mas foi dezes vezes mais rápido e eficiente. E, na
saúde é isso que interessa celeridade e eficência!
Enfim, no final desta lamentável
epopeia lembrei-me de Fernando Pessoa, que definiu o mito como “o nada que é
tudo”. Ora, o SNS é, hoje em dia, isso mesmo, nada mais que um mito.